Uma Breve Análise da sujeição dos Créditos Sub judice na Recuperação Judicial

RESUMO

No presente estudo buscou-se discorrer sobre o princípio da preservação da empresa e sua aplicabilidade na recuperação judicial, frente aos créditos sub judice e a problemática existente a respeito do momento que se considera existente o crédito. Para enfrentarmos o tema, buscamos analisar as posições jurisprudências e doutrinárias, ainda divergentes. Por fim, buscou-se apontar uma solução com a composição das duas visões.

Palavras-chave: Princípio da Preservação da Empresa. Recuperação Judicial. Créditos Sub Judice.

ABSTRACT

In the present study we sought to discuss the principle of preservation of the company and its applicability in the judicial recovery, against sub judice credits and the existing problematic regarding the moment that credit is considered to exist. In order to face the theme, we seek to analyze the jurisprudential and doctrinal positions, still divergent. Finally, we tried to point out a solution with the composition of the two views.

Keywords: Principle of Company Preservation. Judicial recovery. Credits Sub Judice.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da preservação da empresa encontra-se implicitamente na Constituição Federal de 1988 e explicito na Lei 11.101/2005, que trata da recuperação da empresa e da falência.

Tal princípio, em termos gerais, estabelece o principal objetivo da recuperação judicial da empresa, que é: conservar a empresa produzindo. Assim, a manutenção da unidade produtiva vai de encontro com a promoção de sua função social, revestindo-se, assim, de caráter público de relevante interesse social.

Porém, a Lei 11.101/2005, apesar de buscar dar concretude ao princípio, possui diversas lacunas e controvérsias, tais como a conceituação do “crédito existente à data do pedido da recuperação judicial”. A falta de dipositivo e até mesmo de uma convergência doutrinária e jurispudêncial, acaba por tornar, em mutios casos, ineficaz o objetivo da recuperação judicial da empresa, qual seja: preservar a unidade produtora.

O presente estudo é dividido em cinco capítulos: introdução, o princípio da preservação da empresa, a recuperação judicial, os créditos sub judice e conclusão. Assim, analisaremos as mais diversas posições, a fim de apontarmos o melhor caminho para a problemática.

2. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

A CF/88 ao estabelecer em seu artigo 170 que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, inaugura o Princípio da Preservação da Empresa. Tal princípio ganhou contornos nítidos com o advento da Lei 11.101/2005, ao preconizar em seu artigo 47 o seu conteúdo material e procedimental.

O artigo 47 do supracitado diploma legal deixa claro que o princípio da preservação da empresa norteará o processo de Recuperação Judicial, objetivando a superação da crise econômico-financeira, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego e dos interesses dos credores, promovendo o desenvolvimento econômico e social, assim, realizando a função social da empresa.

O que se busca com a preservação da unidade produtora é a proteção dos mais diversos interesses, em especial os que transcendem os interesses dos devedores e credores, quais sejam: a manutenção dos empregos, a geração de riqueza, fonte de tributos e o desenvolvimento social e econômico.

Portanto, tal princípio não pode ter sua aplicação vinculada apenas à superação da crise econômico-financeira do devedor, deve-se ser aplicada em todas as fases da vida da empresa, inclusive em relação ao fisco. Dentro dessa premissa, com o advento da LC 118/05, buscou-se alinhar a legislação tributária aos objetivos desenhados na Lei 11.101/2005.

Dessa forma, percebe-se que o referido princípio atua em duas frentes: uma busca manter a unidade produtora nos momentos de crise econômio-financeira, no processo falimentar e na recuperação judicial; a outra busca realizar a função social da empresa da empresa e a capacidade econômica em relação ao fisco – ou seja, assumindo uma vertente de nítido limite ao poder de tributar. Mas o que nos interessa nesse trabalho é tratar do primeiro ponto, como veremos a seguir.

3. RECUPERAÇÃO JUDICIAL

No Brasil, a legislação que busca aplicar o princípio supracitado é denominada de legislação falimentar, que tem como escopo criar um ambiente de segurança jurídica para aqueles que se encontram em situação de insolvência empresarial ou em crise econômico-financeira, em razão da escassez do crédito, má gestão ou pela inviabilidade do negócio.

A recuperação judicial é considerado um tema novo, daí ainda não termos desenvolvido soluções para os problemas enfrentados dentro do processo de recuperação da crise econômico-financeira da empresa. Por esse motivo, a preservação da empresa não é aplicada de forma consciente e madura, tal como os ensinamentos que são passados de geração a geração. 

A principal função do instituto da recuperação judicial da empresa é a de preservar a atividade empresarial da fonte produtora. Assim, extraímos que a recuperação judicial busca a reorganização econômica, administrativa e financeira da empresa.

A recuperação judicial é de interesse não só do empresário devedor, mas também dos credores, que almejam ter seus créditos pagos, assim a recuperação é uma forma de proteger os interesses dos credores, empregados e do devedor empresário.

A recuperação judicial possui as seguintes fases: fase postulatória, nesta fase o empresário devedor deve reunir certos requisitos para poder ter acesso ao benefício; fase deliberativa, neste momento os credores, após a análise prévia do juiz acerca dos pressupostos de admissibilidade do pedido, irão deliberar sobre o plano de recuperação apresentado pelo devedor, nesta fase, também será o momento em que os créditos serão habilitados ou não no quadro geral de credores; e por fim, a fase de execução do plano de recuperação, nesta fase, havendo a aprovação do plano pela assembleia de credores, iniciará a execução da proposta aprovada.

O plano de recuperação é uma proposta apresentada pelo devedor aos seus credores que busca sair da crise. Dentro do plano, o devedor apresentará a forma como pretende superar a crise, como por exemplo: parcelamento das dívidas, reorganização administrativa, fusão, incorporação, venda de ativos, dentre outros. O Lei 11.101/2005 não elenca um rol taxativo para o plano, salvo para o plano especial, que é destinado para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

4. CRÉDITOS SUB JUDICE

O presente estudo tem como objetivo analisar a sujeição ou não dos créditos que ainda não possuem liquidez, em razão de estarem na fase de cognição em processo de conhecimento. Para iniciarmos, devemos analisar o artigo 49 da Lei 11.101/2005, o referido dispositivo determina que estão sujeitos a recuperação judicial os créditos existentes na dada do pedido, ainda que não estejam vencidos.

Ora, a questão a ser resolvida está na conceituação de “créditos existentes”, isto porque, a lei não nos esclarece a extensão do termo “existência”. O que buscamos é compreender se o legislador quis considerar existente, para fins de sujeição a recuperação, os créditos em que as relações obrigacionais já estivessem formadas na época do pedido, e se ele buscou considerar apenas os créditos líquidos.

A análise jurisprudencial nos mostra que há divergência acerca do tema, uma vez que temos julgados no sentido de excluir os créditos sub judice, ou seja, ainda ilíquidos, ao plano de recuperação judicial, e no sentido contrário, há julgados que entendem que os créditos que se tornarem líquidos após a aprovação do plano pela assembleia de credores, devem se sujeitar a recuperação judicial.

De ambos os lados existem argumentos prós e contras. Aqueles que defendem a não sujeição dos créditos ilíquidos está o argumento da incerteza sobre o valor do crédito, mesmo sabendo que o crédito existe, porém, não pode ser mensurado, e há aqueles que consideram, que mesmo ilíquidos, tais créditos possam ser identificados como devidos no momento do pedido da recuperação.

O STJ, em recentes julgamentos, entendeu que deveriam ser considerados “existentes” os créditos oriundos de relações obrigacionais firmadas antes do ajuizamento da recuperação judicial. Ou seja, os créditos existentes ao tempo do pedido de recuperação, mesmo que a sentença condenatória tenha sido proferida após o pedido de recuperação judicial,devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial.

A sujeição do entendimento jurisprudêncial que entende que os créditos oriundos de relações anteriores, mesmo que sem liquidez, ao pedido devem se sujeitar a recuperação judicial, tem por base a tese de que será benéfico a empresa, uma vez que terá a seu favor uma quantidade maior de créditos passíveis da repactuação em suas condições de pagamento. Pois, aumentando a quantidade de créditos passíveis de negociação, aumenta-se as chances de todos os créditos serem pagos e a recuperanda ganhar fôlego e se reestabelecer.

Do outro lado, os credores cujos créditos ainda não possuem liquides, não se beneficiam desta posição. Pois, para eles o mais interessante é manter as condições originais do crédito – salvo quando há uma enorme quantidade de créditos que inviabilize a superação da crise.

Deve-se atentar que a sujeição dos créditos sem liquidez deve ser acompanhada com cautela em relação aos poderes políticos, uma vez que para aprovar ou rejeitar o plano, os credores votam conforme os valores dos seus créditos. Seria uma grande desvantagem inserir no quadro de credores os créditos ilíquidos sem direito ao voto, uma vez que inviabilizaria a possibilidade destes em influenciar nas condições do plano.

5. CONCLUSÃO 

Neste trabalho buscou-se apresentar a problemática da sujeição ou não dos créditos ilíquidos à recuperação judicial em um contexto que busca observar o princípio da preservação da empresa.

Para os credores que se encontram no “limbo”, a manutenção das condições pactuadas originalmente é mais vantajosa, assim, estes defendem a não sujeição de seus créditos aos efeitos da recuperação judicial.

Já para empresa devedora, quanto mais créditos forem sujeitos ao plano, maiores serão as chances de sucesso na recuperação, prestigiando, assim, o princípio da preservação da empresa. 

Sem desprestigiar aqueles que entendem pela não sujeição, o mais interessante para ambos é a sujeição integral de todos os créditos existentes aos efeitos da recuperação judicial, uma vez que se é mais benéfica para a fonte produtora, será mais benéfica para os credores, pois aquela continuará produzindo e honrando com suas obrigações.

A luz da jurisprudência observamos que esta já se posicionou a favor e contra, para ambos os lados, mas ultimamente notamos que o STJ vem se posicionando pela inclusão dos credores ilíquidos, porém ainda não se encontra consolidado.

A questão está em torno dos poderes políticos, uma vez que o artigo 39 da L. 11.101/2005 determina que os credores têm direito a voto na proporção de seus créditos. Assim, uma vez que os créditos ainda não possuem liquidez, como será quantificado a extensão de seus votos? Entende-se que tal aferição seria por estimativa, exercendo o direito de voto na medida mais próxima possível da realidade. Dessa forma, o mais correto seria a inclusão dos créditos existentes ao tempo do pedido de recuperação, sujeitando-se aos efeitos da recuperação judicial da empresa de forma automática e espontânea por parte do devedor empresário que toma ciência do crédito.

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