A Lei Aplicável aos Contratos Mercantis Internacionais e o Foro Competente

RESUMO

O presente trabalho faz uma breve análise sobre o direito aplicável e o foro competente em contratos internacionais mercantis com foco na legislação pátria. Nesse sentido, explora-se o princípio da autonomia das partes: a lex fori,, a lex loci celebracionis e a possibilidade de eleger o foro competente. Ao final apresentamos a alternativa de solução de controvérsias por meio da arbitragem.

Palavras-chave: Contratos Internacionais – Direito Aplicável – Foro Competente

ABSTRACT

The present work gives a brief analysis on the applicable law and the competent jurisdiction in international mercantile contracts, focusing on the national legislation. In this sense, the principle of the autonomy of the parties, the lex fori, the lex loci celebracionis and the possibility of electing the competent forum, is explored. At the end we present the alternative of dispute resolution through arbitration.

Keywords: International Contracts – Applicable Law – Competent Forum

  1. INTRODUÇÃO

Com a globalização e a interação cada vez maior dos agentes fomentadores da riqueza, tornou-se cada vez mais importante o estudo acerca dos contratos internacionais. A principal preocupação e dificuldade encontrada pelos operadores do direito é a uniformização das normas internas de cada país que regem o direito internacional privado.

Nesse sentido o presente trabalho tem como objetivo apresentar os conceitos básicos e noções gerais sobre os contratos mercantis internacionais, tratando dos principais princípios, direitos e obrigações das partes, bem como o direito aplicável e o foro para processar e julgar os litígios sobre contratos no âmbito internacional.

Em relação aos objetivos específicos iremos abordar de forma mais acentuada os institutos da “Lex Fori” e da competência, uma vez que são os pontos de maior divergência nas causas subjudice que envolvem contratos mercantis internacionais.

Esta pesquisa contribuirá para uma melhor compreensão acerca da formação, da lei aplicável e do foro dos contratos mercantis internacionais.

2. CONTRATOS DE COMPRA E VENDA MERCANTIL INTERNACIONAL 

Entende-se por contrato de compra e venda aquele em que uma das partes (vendedor) obriga-se a entregar coisa a outra parte (comprador) mediante pagamento desta. Ou seja, o vendedor se obriga a transferir o domínio da coisa a quem lhe pagar determinado preço.

Nesse sentido, CLÓVIS BEVILÁQUA conceitua que contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. Assim, de forma ampla, o contrato é o acordo de vontades de duas ou mais pessoas, com o objetivo de constituir ou extinguir uma relação jurídica.

A doutrina cita três elementos constitutivos na compra e venda: coisa, preço e consentimento. 

O direito comercial debruça-se sobre uma modalidade do contrato de compra e venda: o mercantil. Trata-se do principal contrato utilizado pelos empresários para intermediação das mercadorias adquiridas para revendê-las com lucro, a compra de insumos que tem como escopo integrar os processos de produção ou de estrutura do estabelecimento para fomentar a atividade empresarial também é mercantil.

Segundo FÁBIO ULHOA, no direito brasileiro, para ser contrato mercantil, ou cível, o contrato celebrado deve ser entre dois ou mais empresários, ou seja, caso uma das partes seja empresário e a outra não, este poderá ser, consumerista, trabalhista ou contrato administrativo. Um ponto interessante é que, se de um lado o empresário for de pequeno porte e do outro lado um empresário de grande porte, este contrato será consumerista, ou seja, regido pelo CDC. Tal proteção se dá em decorrência da vulnerabilidade do empresário de pequeno porte, frente ao de grande porte, pois este possui meios e técnica para entabular negociações mensurando com precisão a extensão de suas obrigações.

A principal consequência da distinção entre os demais contratos se dá em relação a instauração da execução concursal do comprador, bem como a proteção à hipossuficiência nos contratos consumeristas e nas obrigações decorrentes dos contratos de trabalho.

Aos contratos de compra e venda mercantil internacionais inserem-se mais alguns elementos que irão caracterizá-lo como internacional, tais como: o fluxo de bens e serviços entre países, objetos e elementos de conexão. Tais elementos irão indicar se o contrato possui conexão com o direito internacional.

As normas indicativas buscam identificar se a relação jurídica possui ou não conexão internacional, e estão, basicamente, descritas na LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Porém, não iremos adentrar em todos os aspectos, uma vez que o presente trabalho se limita a discorrer sobre os contratos de compra e venda internacional.

2.1. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

Os critérios a seguir são operacionais nos contratos empresariais:

  1. Bilaterais ou unilaterais: esta classificação não está ligada a constituiçãodos negócios jurídicos, pois os contratos sempre pressupõe duas ou mais partes. Este critério está ligado as obrigações dos contratantes. Nos contratos unilaterais, apenas uma das partes tem obrigação, é o caso do mútuo. Já nos contratos bilaterais, as partes assumem a posição de credor e devedor, ou seja, ambos tem um com o outro obrigações.
  2. Consensuais, reais ou solenes: são consensuais quando se constitui pela simples manifestação das partes (compra e venda). Os reais quando o vínculo do negócio jurídico depende da entrega da coisa (mútuo). Solenes ou formais são contratos que dependem da emissão de um documento redigido de uma forma específica (compra e venda de imóvel), no direito comercial não existe contratos formais.
  3. Comutativos ou aleatórios: nos contratos comutativos é possível às partes anteciparem a forma de sua execução, já nos contratos aleatórios é impossível para as partes anteciparem como será a execução desses contratos.
  4. Típicos ou atípicos: consideram-se contratos típicos aqueles que estão descritos na lei, e atípicos os que não estão descritos na lei. O contrato de compra e venda mercantil é um exemplo de contrato típico, pois está descrito no art. 481 e s. do Código Civil.

2.2. QUALIFICAÇÃO DOS CONTRATOS MERCANTIS INTERNACIONAIS

O art. 9º da LINDB nos apresenta o objeto de conexão e o seu respectivo elemento de conexão. O objeto de conexão trata de conceitos jurídicos, como capacidade, direitos e obrigações, nome e etc. Já o elemento de conexão é a parte que nos diz qual é o direito aplicável. 

Então, no art. 9º da LINDB temos as obrigações, que podem surgir por contrato, identificadas pelo objeto de conexão e pelo elemento de conexão, que é o lugar em que foi celebrado o contrato, ou seja, a lei que irá reger as obrigações oriundas de contrato (objeto de conexão) será a da lex loco celebracioni (elemento de conexão).

Conforme demonstrado, estamos diante de mecanismo de qualificação pré-determinada pelo direito internacional privado da “lex fori”, neste caso, a do Brasil.

Portanto, quem vai nos dizer se um contrato é internacional será o elemento “estrangeiro”, quando as partes estão domiciliadas em países diferentes, quando a sede de seus negócios estão em países distintos, ou quando a obrigação se constituiu ou deve ser executada em país diferente daquele das partes. 

3. FORO COMPETENTE 

Os limites da jurisdição nacional estão elencados nos artigos 21 ao 25 do Código de Processo Civil de 2015. O artigo 21 do CPC/2015 traz as situações de competência concorrente, assim estabelece o artigo:

Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:

I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.

A competência concorrente significa, excluída a competência exclusiva, que tanto o Brasil como outro país são igualmente competentes para processar e julgar as ações. Nesse sentido podemos concluir que mesmo se o autor propuser duas ações em países distintos com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, não poderá ser arguida a litispêndencia como determina o art. 24 do CPC/2015.

Já o artigo 23 traz as hipóteses de competência exclusiva, ou seja, o Brasil não reconhece a sentença de outro país em relação a essas hipóteses, a saber:

Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;

III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.

A grande novidade introduzida pelo novo CPC, foi o artigo 25. Nesse artigo o legislador deixou claro que as partes são livres para eleger o foro competente para dirimir o conflito, devendo a autoridade judiciária brasileira se declarar incompetente quando houver cláusula de eleição de foro estrangeira.

O legislador prestigiou o princípio da autonomia das partes no art. 25, afastando a tendência dos tribunais em afastar a cláusula de eleição de foro nos contratos, quando da vigência do CPC/73, vejamos a redação:

Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.

§ 1ºNão se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.

§ 2º Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º.

Esta inovação aproximou o direito internacional privado brasileiro do modelo internacional estabelecido nas conferências, tratados e convenções, na medida que prestigia a autonomia das partes, dando maior liberdade para decidirem sobre aonde serão processados e julgados seus eventuais litígios contratuais com conexão internacional.

A opção de escolher o foro competente para dirimir a controvérsia dos contratos internacionais tem como escopo trazer segurança jurídica e previsibilidade. Uma vez que o foro é que vai definir a lei aplicável contrato.

Porém, como já se viu, não se trata de possibilidade ilimitada, uma vez que a escolha do foro está limitada a determinados casos, tal como a execução de decisão estrangeira, desde que respeite a ordem pública e a soberania nacional. Outra limitação é a contida no art. 23, no qual está estabelecida a competência exclusiva.

Uma alternativa extremamente válida é a escolha da arbitragem como foro competente, nessa situação os contratantes são livres para escolherem o direito aplicável. Esta possibilidade é a que mais chama atenção dos empresários na hora de contratar, a cláusula arbitral está contida em quase 90% dos contratos internacionais.

4. Lex Fori

Lex fori é um termo próprio do direito internacional privado, significa lei do foro, ou seja, a lei que será aplicada a demanda será a que rege o tribunal em que foi proposta a ação. Tal princípio não possui um dispositivo específico, é criação da doutrina e está implícito no ordenamento.

lex fori é totalmente compreensível, porque não podemos imaginar que ao se propor uma demanda judicial em determinado país, este não observe a sua legislação interna em detrimento de uma legislação estrangeira, isto vai contra a soberania do estado, portanto, quando se tem um foro eleito entre as partes ou por determinação da legislação de direito internacional privado, a lei deste lugar é que vai nos dizer a extensão e os limites do direito no processo.

5. O DIREITO APLICÁVEL AOS CONTRATOS MERCANTIS INTERNACIONAIS

A lei aplicável aos contratos internacionais, quando omisso os contratantes, tende a seguir a lex fori para a solução de controvérsias. Nesse sentido, as normas de direito internacional privado do local escolhido regerá a controvérsia.

Na prática, isso quer dizer que as normas internas de direito internacional privado determinará o ordenamento jurídico aplicável ao caso concreto. Como não se tratam de normas jurídica uniformes no âmbito internacional, podem ocorrer divergências, e em decorrência disso haverá conflito nas decisões proferidas por jurisdições distintas.

A solução encontrada para a doutrina é a adoção de normas internacionais uniformes, aceitas e ratificadas por todos os países.

No nosso país, o magistrado irá realizar duas operações a fim de decidir qual direito será aplicado a causa de direito privado com conexão internacional: primeiro, ele verifica o que a norma interna diz sobre a aplicação do direito internacional privado, identificado qual direito irá ser aplicado ele aplica esse direito a questão sub judice.

Conforme preleciona Jacob Dolinger, o Brasil adota a teoria da lex fori, salvo em duas situações: a qualificação dos bens e das obrigações elencadas na LINDB, casos em que se adota a lex causae.

O direito aplicável a possíveis conflitos decorrentes do contrato de compra e venda mercantil internacional é a norma que irá disciplinar o contrato e o litígio em questão. Pelo fato do contrato internacional possuir dois ou mais países, ambas as legislações podem ser aplicadas, caracterizando um conflito de leis internacionais.

Essa complexa relação bi ou multilateral de várias legislações ocorre em decorrência de vários elementos de externeidades que os contratos internacionais possuem. Em razão disso os estudiosos do direito internacional privado se debruçam para definir as regras que serão utilizadas para solucionar os eventuais conflitos.

O principal mecanismo de solução desses conflitos repousa na escolha do direito aplicável, tendo por base os elementos de conexão. João granadino, em estudo realizado na Revista Mercosul, estabelece os elementos de conexão (por exemplo a capacidade da pessoa física ou jurídica, elementos extrínsecos ou formais e intrínsecos ou de fundo).

No Brasil o art. , da LINDB – preconiza que o contrato será regido pela lei do lugar de sua constituição, ou seja, o país adota a regra do “LEX LOCI CLEBRACIONIS”. Sendo considerado o lugar da celebração o domicílio do proponente. A grande questão, em alguns casos, é determinar quem é o proponente.

Já nos casos de contratos entre ausentes, será aplicada a regra do lex domicilis, ou seja, o local onde se encontra o proponente da oferta.

Outra questão levantada pela doutrina á a possibilidade das partes elegerem o direito aplicável, porém, como veremos a seguir, tal princípio não foi privilegiado pelo legislador.

Portanto, a lei do foro vai nos dizer qual o direito que será aplicado ao conflito originado de um contrato internacional. No caso do Brasil, está estabelecido no art. 9º, da LINDB.

6. AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES

O princípio da autonomia da vontade das partes é um dos temas mais discutidos nos contratos internacionais, tal princípio significa que as próprias partes podem escolher qual o direito aplicável a relação jurídica. A própria vontade manifestada na escolha do direito é o elemento de conexão.

Para Fernando Cardoso:

“A autonomia da vontade é a faculdade aos indivíduos de exercerem sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinação de uma lei aplicável a certas relações jurídicas nas relações internacionais, exercendo-se no interior das fronteiras determinadas de um lado pela noção de ordem pública e de outro pelas lei imperativas”.

Porém, tal princípio não está desvinculado do direito estatal, este deve observar a “lex fori” de cada país, pois é a legislação interna que vai decidir sobre o alcance e a limitação da autonomia da vontade das partes na hora de escolher qual direito aplicável ao negócio jurídico. 

No Brasil, o art. 9º da LINDB, que regulamenta a aplicação do direitos às obrigações é omisso quanto à admissão do princípio da autonomia da vontade das partes, a doutrina e a jurisprudência é controversa sobre o tema.

A Lei n. 9.307/1996, que dispõe sobre a arbitragem, está mais avançada em relação ao assunto, uma vez que autoriza de forma expressa às partes escolherem o direito aplicável a controvérsia.

A autonomia da vontade é uma característica essencial aos contratos, pois somente existe contrato mediante o encontro de vontades manifestadas livremente. Porém, quando vamos aos contratos internacionais, essa vontade é mitigada, uma vez que o direito interno de cada país irá reger o direito aplicável aos contratos com com conexão internacional. A autonomia da vontade atua nas lacunas da lei, não podendo entrar em conflito com esta.

Nesse sentido, se um ordenamento jurídico determina que o direito aplicável para tratar de imóvel situado em seu pais é a lei deste, as partes não poderão eleger a lei estrangeira para dirimir o conflito.

No Brasil, a autonomia da vontade das partes é bastante limitada, uma vez que a característica das normas é sua imperatividade, portanto, possibilitar às partes escolherem livremente o direito aplicável ao contrato internacional vai na contramão do que é determinado pela legislação pátria. Portanto, a autonomia da vontade fica limitada ao vácuo deixado pela lei.

Assim, só é permitido às partes convencionarem sobre o direito aplicável a sua controvérsia quando o ordenamento da lex fori lhe permitir.

7. CONCLUSÃO

De forma geral percebe-se a necessidade da adoção de normas uniformes sobre os contratos internacionais, principalmente os mercantis, uma vez que os agentes envolvidos em tal negócio são responsáveis pela geração, circulação de riquezas e desenvolvimento econômico, cultural e social do planeta.

Em relação a legislação brasileira houve grande avanço no aspecto processual, haja vista que o novo código de processo civil permitiu as partes elegerem o foro competente para solução da controvérsia.

Porém, ainda temos muito que avançar em relação aos outros países de tradição liberal, no sentido de autorizar expressamente a aplicação da autonomia da vontade das partes no momento de definirem o direito aplicável ao contrato.

Diante das questões aqui apresentadas, fica claro a deferência dos empresários ao instituto da arbitragem, tanto na esfera nacional como internacional, pois garante às partes entabularem por meio do contrato e das cláusulas específicas as regras que irão das soluções a possíveis controvérsias.

8. REFERÊNCIAS

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DIDIER Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: JusPODIVM, 2015. 

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DREYZIN DE KLOR, Adriana; URIONDO DE MARTINOLI, Amalia; NOODT TAQUELA, María Blanca. “Dimensiones convencional e institucional de los sistemas de jurisdicción internacional de los Estados mercosureños”. In: FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P. (ed.). Derecho Internacional Privado de los Estados del MERCOSUR. Buenos Aires: Zavalia, 2003, p. 174-198. 

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Teoria geral e processo de conhecimento. 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, vol. I. 

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12a ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008. 

MOSCHEN, Valesca Raizer Borges; ZANETI Jr, Hermes. “Temas controversos do direito processual civil internacional: a cláusula de eleição de foro e os limites do exercício jurisdicional na Convenção de Haia de 2005 e no Código de processo civil brasileiro de 2015”. In: RAMOS, André de Carvalho (ed.). Direito internacional privado: questões controvertidas. Belo Horizonte: Arraes, 2016. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – leis 13.105/2015 e 13.256/2016. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24a ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005. 

VIEIRA, Luciane Klein. “Os 25 anos de vigência do CDC e as relações internacionais de consumo: desa os e perspectivas”. Revista de Direito do Consumidor. 2016, no 103.

Você conhece quais clausulas são abusivas nos contratos de locação?

1. INTRODUÇÃO

É comum que muitas imobiliárias abusem da sua posição de superioridade na hora de entabularem contratos de locação. Diariamente vemos abusos dessas empresas contra os locatários. A seguir vamos discorrer sobre algumas cláusulas abusivas.

2. DA ANÁLISE

  • Do Juros Moratórios Legais

A clausula do contrato de locação que estipular uma taxa de juros remuneratório de 2% ao mês, porém, já é pacificado na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que a taxa de juros remuneratórios não podem ser superiores a 1% ao mês, vejamos a seguir:

Os juros moratórios legais, são aqueles estipulados por Lei, nesse sentido temos precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a Primeira Turma do STJ entendeu ser de 1% ao mês, nos moldes do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil. 

No STJ, o Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, consignou que a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1o, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês. 

Um ponto controverso é a de que o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional permite expressamente que lei determine outra taxa, como é o caso da taxa Selic, que, por essa razão, seria legal. Todavia, não nos parece que essa seja a conclusão verdadeira. Não podemos esquecer que, a teor do que dispõe o art. 34 do ADCT, o Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei materialmente complementar pela Constituição Federal de 1988. Tendo, assim, status de Lei Complementar, jamais leis ordinárias, como são as leis que instituíram a taxa Selic – Leis nº 8.981/1995 e 9.779/1999 –, poderiam se sobrepor ao comando de lei materialmente complementar.

Em suma, a taxa de juros legais moratórios do Código Civil, nos termos do seu art. 406, é a taxa de 1% do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. Mesmo assim, essa taxa poderá ser alterada por lei complementar que institua outra taxa, diferente daquela determinada pelo Código Tributário.

Certo é que o Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, defende a aplicação da taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 161 do Código Tributário Nacional.

  • Da Aplicação do D. 22.626 de 1933 

Destarte, a aplicação do § 3º, do artigo 1, do Decreto 22.626 de 1933 não pode ser aplicada para taxas de juros legais de 1%, uma vez que tal dispositivo era aplicável ao antigo Código Civil (art. 1916, arts. 1.062 e 1.063) que fixava a taxa de juros legais em 0,5% (meio por cento) ao mês, dessa forma podendo estipular taxa de até 1% ao mês.

Com o advento no novo Código Civil, ficou estabelecido em seu artigo 406 a aplicação da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Essa taxa, conforme apontado acima, é de 1% ao mês, nos termos do § 1º do artigo 161 do CTN. Dessa forma, devemos fazer a análise sistemática do ordenamento jurídico, assim, entendemos que a estipulação dos juros moratórios, ainda que convencionados em contrato, não podem ser superiores a taxa legal, nesse sentido o art. 5º, do Decreto 22.626/1933, admite, pela mora, a elevação dos juros em 1% e não mais.

Portanto, da leitura e interpretação sistemática dos dispositivos supracitados, percebe-se que a autorização dada pelo § 3º do Decreto 22.626 de 1933 era para dobrar as taxas de juros legais da época, que era de 05%, de outro giro pode-se estipular taxa de juros menores nos contratos, e aí sim aplicar-se ia tal dispositivo. Do contrário, o próprio artigo 5º do referido decreto veda a elevação dos juros em mais de 1%.

Nesse sentido temos os seguintes julgados:

Superior Tribunal de Justiça. (…) 5. Aplica-se o índice de 6% ao ano (CC/1916, art. 1.062), da data do ato lesivo até a entrada em vigor do CC/2002; a partir dessa data, incide a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC/2002, art. 406). A interpretação do art. 406 do CC/2002, c/c o 161, § 1o, do CTN, recomenda a aplicação de juros moratórios de 12% ao ano, a partir da vigência do CC/2002 (11.01.2003). Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp no 970.586/PB, 2a T., j. em 21.08.2007, rel. Min. Hum- berto Martins, DJ 03.09.2007, p. 164).

Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental. Juros de mora. Novo Código Civil. Relação jurídica entre particulares. Inaplicabilidade da Selic. Pretensão de pós-ques- tionar. Inviabilidade. 1. Até a data da entrada em vigor do novo Código Civil, os juros moratórios são regulados pelo artigo 1.062 do Código Beviláqua. Depois daquela data, aplica-se a taxa prevista no artigo 406 do atual Código Civil, na razão de 1% ao mês. 2. A taxa SELIC tem aplicação específica a casos previstos em Lei, tais como restituição ou compensação de tributos federais. Não é a ela que se refere o art. 406 do novo Código Civil, mas ao percentual previsto no art. 161, § 1o, do CTN. 3. Em re- curso especial não se acolhe a pretensão de pós-questionar dispositivos constitu- cionais (STJ) (AgRg 0030245-9/2005 no REsp no 727.842/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros).

Nesse mesmo sentido, temos o seguinte entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. JUROS DE MORA. MULTA MORATÓRIA. ABUSIVIDADE. REDUÇÃO. MULTA RESCISÓRIA. PROPORCIONALIDADE. DESPESAS COM PINTURA E REPAROS NO IMÓVEL. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DO BEM NO INÍCIO E NO FIM DA LOCAÇÃO. 1. OS JUROS DE MORA, NA LOCAÇÃO, DEVEM OBSERVAR O LIMITE LEGAL DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS. 2. A JURISPRUDÊNCIA DESTE C. TJDFT ADMITE A MULTA MORATÓRIA NO PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) DO VALOR DO ALUGUEL PAGO APÓS O VENCIMENTO. 3. CUMPRIDO EM PARTE O CONTRATO DE LOCAÇÃO, A MULTA RESCISÓRIA DEVE GUARDAR PROPORCIONALIDADE COM A PARTE NÃO CUMPRIDA DA OBRIGAÇÃO. 4. A COBRANÇA DE QUANTIA DECORRENTE DE DESPESAS COM PINTURA E REPAROS NO IMÓVEL LOCADO EXIGE A COMPROVAÇÃO DO ESTADO DO REFERIDO BEM NO INÍCIO E NO FIM DA LOCAÇÃO, POR MEIO DE LAUDOS DE VISTORIA PRODUZIDOS DE FORMA NÃO UNILATERAL, CUJA AUSÊNCIA ISENTA O LOCATÁRIO DO DEVER DE RESSARCIR O LOCADOR. 5. DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO EXORDIAL DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO.

(TJ-DF – APC: 20120111158352 DF 0032410-25.2012.8.07.0001, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 30/04/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/05/2014 . Pág.: 120) (grifei)

Neste julgado, como grifei, o relator entendeu pela aplicação do limite de 1% dos juros remuneratórios aos contratos de locação, nos termos do art. 5º do Decreto 22.626 de 1933.

  • Da Transferência dos Encargos com Terceiros e Demais Despesas Administrativas 

No presente caso, por se tratar de um negócio jurídico de locação imobiliária com intermediação de uma empresa imobiliária, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois há de um lado uma pessoa jurídica com know how em contratos locatícios, que se propõe a intermediar a locação, sob suas condições pré-estipuladas e que, em regra, não há margens para negociação, ou você aceita o contrato ou não terá negócio fechado.

Pois bem, a jurisprudência do Superior Tribunal Justiça é no sentido de não se aplicar aos contratos de locação o CDC, porém, ao analisarmos o que se desenvolveu na tese, ficou estabelecido que apenas quando tal negócio jurídico é realizado pelo próprio proprietário do imóvel, porém, quando há a intermediação de uma empresa imobiliária, aí teremos duas relações de consumo distintas: uma entre a imobiliária e o proprietário, pois esta presta serviços há aquele; e outra relação jurídica entre a imobiliária e o locatário. Em ambos os casos há a incidência do CDC em suas relações.

Dessa forma, ao transferir encargos próprios de quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, faz de forma contrária ao artigo 51 do CDC, vejamos:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

{…}

Desses, dispositivos podemos extrair que a clausula que transfere ao locatário encargos próprios de quem exerce atividade empresarial e assumi o risco de tal faculdade, é nula de pleno direito.

Ora, o contrato de locação imobiliária tem como objeto a locação e não a contratação de serviços administrativos, de cobrança e nem de escritório de advocacia, tais serviços devem ser suportados por quem explora atividade econômica de forma profissional e organizada, sendo tais custos incorporados as despesas inerentes a sua atividade.

Nesse sentido, o nosso Tribunal de Justiça do Distrito Federal entende:

JUIZADO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO POR EQUIPARAÇÃO. RETENÇÃO INDEVIDA DE CAUÇÃO. SUCESSÃO EMPRESARIAL VERIFICADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ADMINISTRADORES IMOBILIÁRIOS PELOS DÉBITOS CONTRAÍDOS. 1. Restou sobejamente demonstrado nos autos que a recorrente adquiriu os direitos e obrigações de carteira de administração de imóveis da recorrida, KS Assessoria Imobiliária (ID 5007005), e que esta, após a transação, se desfez de todos os seus ativos e encerrou suas atividades. Nesta hipótese, verificada factualmente a transferência do negócio, inafastável o reconhecimento da sucessão empresarial e o dever da sucessora, de responder pelas obrigações da empresa sucedida. 2. De outro lado, nos termos do artigo 17 do CDC, a relação jurídica havida entre locatário, ora recorrido, e a imobiliária que presta serviço de intermediação de locação e administração de imóveis, qualifica-se como de consumo por equiparação (Acórdão 917885, 20110110303956APC, Relator: ANA MARIA AMARANTE, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 03/02/2016; Acórdão nº 893916, JOÃO FISCHER, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 03/05/2017). Nesse diapasão, tendo restado claro que a recorrente inseriu-se na relação estabelecida entre os recorridos, auferindo, inclusive, os frutos econômicos do contrato entabulado, impõe-se, a fim de resguardar o consumidor (locatário), o reconhecimento da responsabilidade objetiva e solidária dos administradores imobiliários para restituição da caução indevidamente retida (artigo 14 do CDC). 3. Não merece acolhimento a tese de defesa de existência de contrato entabulado com o antigo detentor da carteira de aluguéis (KS Assessoria Imobiliária), que limitou no tempo a responsabilidade de cada um dos contratantes. Com efeito, o termo negocial poderá fundamentar a proposição de eventual ação regressiva, mas não é suficiente para eximir o recorrente da responsabilidade perante os consumidores. 4. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida, por seus próprios fundamentos. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, a teor do art. 55 da Lei 9.099/95. 5. A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei n. 9.099/95.

(TJ-DF 07031388420188070016 DF 0703138-84.2018.8.07.0016, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 27/11/2018, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/12/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) 

  • Da Multa Por Recisão Unilateral Antecipada

A cláusula que estipular multa desproporcional também está em desacordo com a lei, quiça com a jurisprudência. O artigo 4º da Lei 8.245 de 1991 prevê que a multa pela denúncia antecipada do contrato de locação deverá ser proporcional ao período de cumprimento do contrato.

Dessa forma, o cálculo é o seguinte:

Prazo do contrato: 36 meses

Valor da multa: R$ 4.350,00

R$ 4.350,00 / 36 = 120,83 por mês

Cumprimento do contrato: 15 meses

Multa a ser paga: 1.812,45

Portanto, a cláusula que estipula multa sem a proporcionalidade está em desacordo com a lei e com a jurisprudência, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. MULTA POR RESCISÃO CONTRATUAL. REDUÇÃO PROPORCIONAL AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. CABIMENTO. PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO NO CURSO DA DEMANDA. CONSTITUIÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL COM BASE NO SALDO DEVEDOR REMANESCENTE. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. NÃO CABIMENTO. Nos termos do art. 4º da Lei 8.245/1991, a multa devida pela rescisão antecipada do contrato de locação de imóvel deve ser fixada proporcionalmente ao cumprimento da obrigação por parte do locatário. Verificado que o locatário promoveu o pagamento regular de 3 (três) parcelas do aluguel mensal pactuado, cabível a redução proporcional da multa rescisória. Verificado que o valor pago pelo devedor ao credor, no curso do processo, não se mostra suficiente para quitar integralmente a dívida apontada na inicial da Ação Monitória, deve ser constituído o título executivo judicial em favor do credor, no valor correspondente ao saldo devedor remanescente. Ocorrendo a sucumbência mínima da parte autora, deve a parte ré ser condenada ao pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil, Apelação Cível conhecida e parcialmente provida.

(TJ-DF 20161410021373 DF 0002017-39.2016.8.07.0014, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 27/06/2019, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 02/07/2019 . Pág.: 469/477)

3. CONCLUSÃO

Da análise do Direito e da Jurisprudência, extraímos que o juros moratórios não podem ser superiores a 1% e que a aplicação o § 3º, do artigo 1, do Decreto 22.626 de 1933, uma vez que da análise sistêmica, teleológica e histórica, bem como da doutrina e jurisprudência, nos leva a crer que prevalece o juros de 1%.

Em relação a transferência dos encargos com terceiros e demais taxas administrativas também verificamos incompatibilidade com o Direito, uma vez que trata-se de relação de consumo, aplicando-se o CDC, portanto, não cabendo despesas estranhas ao presente objeto do contrato – LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA. 

Por fim, também identificamos que a cláusula que estabelece multa por denúncia antecipada do contrato está em desacordo com o que é estipulado pelo artigo 4º da Lei do Inquilinato, que prevê que tal penalidade seja proporcional ao cumprimento do contrato, tudo conforme demonstrado acima.