1. INTRODUÇÃO
É comum que muitas imobiliárias abusem da sua posição de superioridade na hora de entabularem contratos de locação. Diariamente vemos abusos dessas empresas contra os locatários. A seguir vamos discorrer sobre algumas cláusulas abusivas.
2. DA ANÁLISE
- Do Juros Moratórios Legais
A clausula do contrato de locação que estipular uma taxa de juros remuneratório de 2% ao mês, porém, já é pacificado na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que a taxa de juros remuneratórios não podem ser superiores a 1% ao mês, vejamos a seguir:
Os juros moratórios legais, são aqueles estipulados por Lei, nesse sentido temos precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a Primeira Turma do STJ entendeu ser de 1% ao mês, nos moldes do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil.
No STJ, o Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, consignou que a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1o, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês.
Um ponto controverso é a de que o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional permite expressamente que lei determine outra taxa, como é o caso da taxa Selic, que, por essa razão, seria legal. Todavia, não nos parece que essa seja a conclusão verdadeira. Não podemos esquecer que, a teor do que dispõe o art. 34 do ADCT, o Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei materialmente complementar pela Constituição Federal de 1988. Tendo, assim, status de Lei Complementar, jamais leis ordinárias, como são as leis que instituíram a taxa Selic – Leis nº 8.981/1995 e 9.779/1999 –, poderiam se sobrepor ao comando de lei materialmente complementar.
Em suma, a taxa de juros legais moratórios do Código Civil, nos termos do seu art. 406, é a taxa de 1% do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. Mesmo assim, essa taxa poderá ser alterada por lei complementar que institua outra taxa, diferente daquela determinada pelo Código Tributário.
Certo é que o Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, defende a aplicação da taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 161 do Código Tributário Nacional.
- Da Aplicação do D. 22.626 de 1933
Destarte, a aplicação do § 3º, do artigo 1, do Decreto 22.626 de 1933 não pode ser aplicada para taxas de juros legais de 1%, uma vez que tal dispositivo era aplicável ao antigo Código Civil (art. 1916, arts. 1.062 e 1.063) que fixava a taxa de juros legais em 0,5% (meio por cento) ao mês, dessa forma podendo estipular taxa de até 1% ao mês.
Com o advento no novo Código Civil, ficou estabelecido em seu artigo 406 a aplicação da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Essa taxa, conforme apontado acima, é de 1% ao mês, nos termos do § 1º do artigo 161 do CTN. Dessa forma, devemos fazer a análise sistemática do ordenamento jurídico, assim, entendemos que a estipulação dos juros moratórios, ainda que convencionados em contrato, não podem ser superiores a taxa legal, nesse sentido o art. 5º, do Decreto 22.626/1933, admite, pela mora, a elevação dos juros em 1% e não mais.
Portanto, da leitura e interpretação sistemática dos dispositivos supracitados, percebe-se que a autorização dada pelo § 3º do Decreto 22.626 de 1933 era para dobrar as taxas de juros legais da época, que era de 05%, de outro giro pode-se estipular taxa de juros menores nos contratos, e aí sim aplicar-se ia tal dispositivo. Do contrário, o próprio artigo 5º do referido decreto veda a elevação dos juros em mais de 1%.
Nesse sentido temos os seguintes julgados:
Superior Tribunal de Justiça. (…) 5. Aplica-se o índice de 6% ao ano (CC/1916, art. 1.062), da data do ato lesivo até a entrada em vigor do CC/2002; a partir dessa data, incide a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC/2002, art. 406). A interpretação do art. 406 do CC/2002, c/c o 161, § 1o, do CTN, recomenda a aplicação de juros moratórios de 12% ao ano, a partir da vigência do CC/2002 (11.01.2003). Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp no 970.586/PB, 2a T., j. em 21.08.2007, rel. Min. Hum- berto Martins, DJ 03.09.2007, p. 164).
Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental. Juros de mora. Novo Código Civil. Relação jurídica entre particulares. Inaplicabilidade da Selic. Pretensão de pós-ques- tionar. Inviabilidade. 1. Até a data da entrada em vigor do novo Código Civil, os juros moratórios são regulados pelo artigo 1.062 do Código Beviláqua. Depois daquela data, aplica-se a taxa prevista no artigo 406 do atual Código Civil, na razão de 1% ao mês. 2. A taxa SELIC tem aplicação específica a casos previstos em Lei, tais como restituição ou compensação de tributos federais. Não é a ela que se refere o art. 406 do novo Código Civil, mas ao percentual previsto no art. 161, § 1o, do CTN. 3. Em re- curso especial não se acolhe a pretensão de pós-questionar dispositivos constitu- cionais (STJ) (AgRg 0030245-9/2005 no REsp no 727.842/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros).
Nesse mesmo sentido, temos o seguinte entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. JUROS DE MORA. MULTA MORATÓRIA. ABUSIVIDADE. REDUÇÃO. MULTA RESCISÓRIA. PROPORCIONALIDADE. DESPESAS COM PINTURA E REPAROS NO IMÓVEL. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DO BEM NO INÍCIO E NO FIM DA LOCAÇÃO. 1. OS JUROS DE MORA, NA LOCAÇÃO, DEVEM OBSERVAR O LIMITE LEGAL DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS. 2. A JURISPRUDÊNCIA DESTE C. TJDFT ADMITE A MULTA MORATÓRIA NO PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) DO VALOR DO ALUGUEL PAGO APÓS O VENCIMENTO. 3. CUMPRIDO EM PARTE O CONTRATO DE LOCAÇÃO, A MULTA RESCISÓRIA DEVE GUARDAR PROPORCIONALIDADE COM A PARTE NÃO CUMPRIDA DA OBRIGAÇÃO. 4. A COBRANÇA DE QUANTIA DECORRENTE DE DESPESAS COM PINTURA E REPAROS NO IMÓVEL LOCADO EXIGE A COMPROVAÇÃO DO ESTADO DO REFERIDO BEM NO INÍCIO E NO FIM DA LOCAÇÃO, POR MEIO DE LAUDOS DE VISTORIA PRODUZIDOS DE FORMA NÃO UNILATERAL, CUJA AUSÊNCIA ISENTA O LOCATÁRIO DO DEVER DE RESSARCIR O LOCADOR. 5. DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO EXORDIAL DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO.
(TJ-DF – APC: 20120111158352 DF 0032410-25.2012.8.07.0001, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 30/04/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/05/2014 . Pág.: 120) (grifei)
Neste julgado, como grifei, o relator entendeu pela aplicação do limite de 1% dos juros remuneratórios aos contratos de locação, nos termos do art. 5º do Decreto 22.626 de 1933.
- Da Transferência dos Encargos com Terceiros e Demais Despesas Administrativas
No presente caso, por se tratar de um negócio jurídico de locação imobiliária com intermediação de uma empresa imobiliária, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois há de um lado uma pessoa jurídica com know how em contratos locatícios, que se propõe a intermediar a locação, sob suas condições pré-estipuladas e que, em regra, não há margens para negociação, ou você aceita o contrato ou não terá negócio fechado.
Pois bem, a jurisprudência do Superior Tribunal Justiça é no sentido de não se aplicar aos contratos de locação o CDC, porém, ao analisarmos o que se desenvolveu na tese, ficou estabelecido que apenas quando tal negócio jurídico é realizado pelo próprio proprietário do imóvel, porém, quando há a intermediação de uma empresa imobiliária, aí teremos duas relações de consumo distintas: uma entre a imobiliária e o proprietário, pois esta presta serviços há aquele; e outra relação jurídica entre a imobiliária e o locatário. Em ambos os casos há a incidência do CDC em suas relações.
Dessa forma, ao transferir encargos próprios de quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, faz de forma contrária ao artigo 51 do CDC, vejamos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
{…}
Desses, dispositivos podemos extrair que a clausula que transfere ao locatário encargos próprios de quem exerce atividade empresarial e assumi o risco de tal faculdade, é nula de pleno direito.
Ora, o contrato de locação imobiliária tem como objeto a locação e não a contratação de serviços administrativos, de cobrança e nem de escritório de advocacia, tais serviços devem ser suportados por quem explora atividade econômica de forma profissional e organizada, sendo tais custos incorporados as despesas inerentes a sua atividade.
Nesse sentido, o nosso Tribunal de Justiça do Distrito Federal entende:
JUIZADO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO POR EQUIPARAÇÃO. RETENÇÃO INDEVIDA DE CAUÇÃO. SUCESSÃO EMPRESARIAL VERIFICADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ADMINISTRADORES IMOBILIÁRIOS PELOS DÉBITOS CONTRAÍDOS. 1. Restou sobejamente demonstrado nos autos que a recorrente adquiriu os direitos e obrigações de carteira de administração de imóveis da recorrida, KS Assessoria Imobiliária (ID 5007005), e que esta, após a transação, se desfez de todos os seus ativos e encerrou suas atividades. Nesta hipótese, verificada factualmente a transferência do negócio, inafastável o reconhecimento da sucessão empresarial e o dever da sucessora, de responder pelas obrigações da empresa sucedida. 2. De outro lado, nos termos do artigo 17 do CDC, a relação jurídica havida entre locatário, ora recorrido, e a imobiliária que presta serviço de intermediação de locação e administração de imóveis, qualifica-se como de consumo por equiparação (Acórdão 917885, 20110110303956APC, Relator: ANA MARIA AMARANTE, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 03/02/2016; Acórdão nº 893916, JOÃO FISCHER, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 03/05/2017). Nesse diapasão, tendo restado claro que a recorrente inseriu-se na relação estabelecida entre os recorridos, auferindo, inclusive, os frutos econômicos do contrato entabulado, impõe-se, a fim de resguardar o consumidor (locatário), o reconhecimento da responsabilidade objetiva e solidária dos administradores imobiliários para restituição da caução indevidamente retida (artigo 14 do CDC). 3. Não merece acolhimento a tese de defesa de existência de contrato entabulado com o antigo detentor da carteira de aluguéis (KS Assessoria Imobiliária), que limitou no tempo a responsabilidade de cada um dos contratantes. Com efeito, o termo negocial poderá fundamentar a proposição de eventual ação regressiva, mas não é suficiente para eximir o recorrente da responsabilidade perante os consumidores. 4. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida, por seus próprios fundamentos. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, a teor do art. 55 da Lei 9.099/95. 5. A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei n. 9.099/95.
(TJ-DF 07031388420188070016 DF 0703138-84.2018.8.07.0016, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 27/11/2018, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/12/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
- Da Multa Por Recisão Unilateral Antecipada
A cláusula que estipular multa desproporcional também está em desacordo com a lei, quiça com a jurisprudência. O artigo 4º da Lei 8.245 de 1991 prevê que a multa pela denúncia antecipada do contrato de locação deverá ser proporcional ao período de cumprimento do contrato.
Dessa forma, o cálculo é o seguinte:
Prazo do contrato: 36 meses
Valor da multa: R$ 4.350,00
R$ 4.350,00 / 36 = 120,83 por mês
Cumprimento do contrato: 15 meses
Multa a ser paga: 1.812,45
Portanto, a cláusula que estipula multa sem a proporcionalidade está em desacordo com a lei e com a jurisprudência, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. MULTA POR RESCISÃO CONTRATUAL. REDUÇÃO PROPORCIONAL AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. CABIMENTO. PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO NO CURSO DA DEMANDA. CONSTITUIÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL COM BASE NO SALDO DEVEDOR REMANESCENTE. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. NÃO CABIMENTO. Nos termos do art. 4º da Lei 8.245/1991, a multa devida pela rescisão antecipada do contrato de locação de imóvel deve ser fixada proporcionalmente ao cumprimento da obrigação por parte do locatário. Verificado que o locatário promoveu o pagamento regular de 3 (três) parcelas do aluguel mensal pactuado, cabível a redução proporcional da multa rescisória. Verificado que o valor pago pelo devedor ao credor, no curso do processo, não se mostra suficiente para quitar integralmente a dívida apontada na inicial da Ação Monitória, deve ser constituído o título executivo judicial em favor do credor, no valor correspondente ao saldo devedor remanescente. Ocorrendo a sucumbência mínima da parte autora, deve a parte ré ser condenada ao pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil, Apelação Cível conhecida e parcialmente provida.
(TJ-DF 20161410021373 DF 0002017-39.2016.8.07.0014, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 27/06/2019, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 02/07/2019 . Pág.: 469/477)
3. CONCLUSÃO
Da análise do Direito e da Jurisprudência, extraímos que o juros moratórios não podem ser superiores a 1% e que a aplicação o § 3º, do artigo 1, do Decreto 22.626 de 1933, uma vez que da análise sistêmica, teleológica e histórica, bem como da doutrina e jurisprudência, nos leva a crer que prevalece o juros de 1%.
Em relação a transferência dos encargos com terceiros e demais taxas administrativas também verificamos incompatibilidade com o Direito, uma vez que trata-se de relação de consumo, aplicando-se o CDC, portanto, não cabendo despesas estranhas ao presente objeto do contrato – LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA.
Por fim, também identificamos que a cláusula que estabelece multa por denúncia antecipada do contrato está em desacordo com o que é estipulado pelo artigo 4º da Lei do Inquilinato, que prevê que tal penalidade seja proporcional ao cumprimento do contrato, tudo conforme demonstrado acima.